O debate a respeito da criminalização do aborto voltou a movimentar a sociedade nas últimas semanas. Em 12 de junho, a Câmara do Deputados aprovou em votação relâmpago a urgência do PL 1904/24, que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, mesmo nos casos em que a prática é legalizada no Brasil.
De acordo com o autor da proposta, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o projeto é uma resposta à ação requerida pelo Psol ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017, que pede a descriminalização do aborto em todos os casos no Brasil.
No final de 2023, a proposta foi pautada pela ministra Rosa Weber, que deu voto favorável pela descriminalização. A ação é inédita, já que o aborto nunca foi permitido no país e projetos do legislativo para tentar descriminalizar ou legalizar a prática não foram muito longe.
A criminalização do aborto está prevista no Código Penal Brasileiro, definido em 1940 durante governo de Getúlio Vargas. As diretrizes permaneceram quase que inalteradas até hoje.
A única mudança feita foi a inclusão de mais uma exceção ao crime (os casos em que o feto é anencéfalo) e ela se deu por via judicial e não pelo legislativo.
Desde a redemocratização, ao menos 65 projetos de lei que pretendiam mudar as regras sobre aborto no Código Penal foram propostos na Câmara dos Deputados. Nenhum deles vingou.
“Existem assuntos a serem votados que são considerados sensíveis no Congresso. E, dentro das ferramentas que existem no poder Judiciário, este acabou tomando para si a responsabilidade por legislar em caso de omissão do Legislativo. Isso é um processo que vem desde 2005”, afirma o cientista político João Lucas Pires.
Para a advogada criminalista Camila Vargas do Amaral, é possível que eventuais mudanças nas leis sobre aborto em um futuro próximo sigam esse padrão e aconteçam por via judicial. “O Congresso tem hoje uma bancada conservadora numerosa e muitos parlamentares de centro têm receio de perder voto ao abordarem pautas como flexibilização do aborto e descriminalização das drogas. Por isso, acredito que ainda caberá ao judiciário protagonizar essas alterações”, disse.
A CNN organizou uma linha do tempo com os principais destaques da evolução das leis sobre aborto no Brasil. Leia abaixo:
1830
Dom Pedro I assina o primeiro Código Criminal do Brasil após a Independência. O texto estabelecia pena de um a cinco anos de prisão para quem provocasse o aborto de uma gestante. A pena era dobrada se a prática fosse feita por um profissional da saúde ou sem o consentimento da mulher. Nos termos deste código, a gestante não era penalizada.
1890
Após a Proclamação da República, foi assinado um novo Código Penal. A legislação foi a primeira a punir criminalmente a mulher que praticasse o aborto. A pena era de dois a seis anos de prisão. Foi também a primeira a estabelecer uma exceção. Chamada de “aborto necessário”, a prática não configurava crime se fosse realizada para salvar a vida a gestante.
1940
Naquele ano, foi assinado o terceiro Código Penal brasileiro, que está vigente até hoje. Nessa legislação, a pena foi atenuada: prisão de um a três anos para a mulher que praticar o aborto. E, além do “aborto necessário”, mais uma exceção foi adicionada. A prática foi legalizada para casos em que a gravidez resultar de estupro.
2004
Chega ao STF a primeira ação constitucional para alterar a legislação sobre o aborto. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS), solicitou a legalização da prática em caso de anencefalia do feto. A mudança foi aprovada 8 anos depois, em 2012.
2016
Em julgamento de recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a decisão do STF de permitir aborto em caso de anencefalia se aplicaria a casos de outras malformações do feto que fossem incompatíveis com a vida.
2017
O Psol ajuíza a ADPF 442 no STF, que pede a descriminalização do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação em todos os casos, alegando que a proibição feria a dignidade da pessoa humana e os direitos sexuais, reprodutivos, de liberdade e de igualdade. A ação só viria a ser pautada em 2023.
2019
O Senado desarquiva a Proposta de Emenda Constituição (PEC) 29/2015, que altera o art. 5º da Constituição para determinar a “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”. Na prática, a medida abriria precedentes para revogar o direito ao aborto nos três casos permitidos por lei. Por pressões de dentro e fora do Senado, a proposta acabou arquivada novamente no final de 2022.
2020
O Ministério da Saúde publica portaria que obriga médicos a notificarem a polícia sobre todos os casos de aborto previstos em lei realizados, como os decorrentes de violência sexual e os que colocam a vida da mulher em risco. A norma definia ainda que, antes de aprovar a interrupção da gravidez, a equipe médica deveria oferecer à gestante as imagens de ultrassom do feto. Essa última parte, porém, foi revogada logo depois devido à reação negativa da população. A portaria seria revogada em janeiro de 2023.
2023
Cerca de seis anos depois de ajuizada a ação pelo PSol, a então ministra do STF Rosa Weber pautou a descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação. O projeto teve voto favorável de Weber, mas foi suspenso por pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso. O julgamento ainda não tem data definida para prosseguir. Barroso disse que não pretende retomar a votação a curto prazo por considerar que o tema “não está amadurecido na sociedade brasileira”.
2024
Câmara dos Deputados aprova a urgência do Projeto de Lei 1904/24, que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, mesmo nos casos em que a prática é legalizada no Brasil.
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