O uso de ferramentas de monitoramento secreto de aparelhos de comunicação pessoal, como celulares e tablets, vem sendo debatido por especialistas brasileiros de várias áreas.
Fontes que acompanham a discussão alertam que os equipamentos – produzidos majoritariamente por empresas estrangeiras – podem ser usados para espionagem global e ameaçam a soberania nacional.
Nos últimos dias 10 e 11 de junho, por exemplo, aconteceu uma audiência pública convocada pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF). O tema é objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1143, apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao STF.
O instrumento busca avaliar possíveis violações de preceitos fundamentais e propor soluções para garantir a legalidade e a segurança das comunicações no Brasil.
Parte da discussão da audiência se concentrou nos limites constitucionais referentes à proteção das comunicações pessoais em contraposição com às normas penais que admitem exceções a essas regras.
Outra abordagem do debate focou nas diferenças entre as atividades de inteligência e de investigação criminal e as ameaças geradas pela não distinção desses limites.
Na audiência do STF, o diretor de Inteligência da Polícia Federal, Rodrigo Morais Fernandes, defendeu que ferramentas de monitoramento são necessárias para a atividade policial e de investigação, como ocorre em todas as polícias do mundo. Mas destacou que esse uso não se confunde com ações de inteligência.
“Do ponto de vista da Polícia Federal, a gente entende que não há necessidade de regulamentação da matéria. A Legislação atual disciplina plenamente o assunto”, afirmou Fernandes durante o evento.
Para o delegado, a Constituição Federal é clara em relação a interceptações telefônicas, telemáticas e o acesso a dados sigilosos. “Se dá única e exclusivamente para investigação criminal ou para instrução de processos penais mediante ordem judicial prévia”, complementou.
Ataques clandestinos
A CNN ouviu outros integrantes dos setores de inteligência do governo que participam do debate. Gustavo Borges, superintendente de Controle de Obrigações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), lembrou que a busca de dados pelas ferramentas de espionagem pode acontecer sem consentimento das operadoras, da Anatel e sem ordem judicial.
“Quando esses aplicativos operam, buscam esses dados de uma forma não autorizada. Eles conseguem por meio de ataque ao sistema de telefonia. Eles tentam enganar as redes de alguma forma para obter esse dado”, explicou o especialista.
Borges destacou que o Brasil já dispõe de meios seguros para que autoridades tenham acesso aos dados dos aparelhos pessoais de investigados sem a necessidade de recorrer a softwares espiões. Ele cita a quebra de sigilo por ordem judicial como uma fórmula legal e segura já utilizada no Brasil há anos.
“O ideal é que os órgãos públicos competentes por investigações criminais busquem a Anatel para o desenvolvimento de informações, porque a Anatel sempre determina métodos que não sejam a partir de busca de vulnerabilidades, mas sim entrega oficial da informação de forma autorizada e controlada”, explicou Gustavo Borges.
Um delegado da Polícia Federal, sob reserva, disse que o mais relevante, e preocupante, é que esses equipamentos, vendidos por empresas estrangeiras, “estão atacando a rede de telefonia no Brasil” e podem estar sendo usados para espionagem no mundo inteiro.
Fontes da PF também ponderam que as ferramentas podem estar sendo usadas em guerras atuais e armazenam dados sensíveis do Brasil em “nuvens”, fora do controle das autoridades brasileiras. “Um risco para a nossa soberania”, alertou um delegado.
FirstMile
A Polícia Federal investiga o uso da ferramenta de geolocalização israelense FirtMile de forma indiscriminada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) entre 2019 e 2022. Segundo a apuração, o equipamento foi usado 30 mil vezes para encontrar celulares de autoridades brasileiras, jornalistas e políticos sem fiscalização judicial.
A preocupação dos setores de inteligência brasileiros, no entanto, se expande para demais ferramentas. “A preocupação é com quaisquer aplicativos ou softwares, de quaisquer fabricantes, cujo modelo de negócios seja a venda de dados protegidos, sem autorização expressa, e mediante a violação indevida de mecanismo de segurança de redes de telefonia”, diz o representante da Anatel, Gustavo Borges.
Contudo, fontes da PF dizem que as funcionalidades dos equipamentos são essenciais para a atividade de investigação das polícias judiciárias, desde que tenham controle.
“Precisamos desses recursos, mas desde que sejam fornecidos pelas empresas de telefonia, com controle e auditoria, mediante prévia autorização judicial, como manda a Lei e a Constituição, e não por meio de empresas estrangeiras que atacam a nossa infraestrutura crítica de telefonia de forma clandestina para acessar esses dados”, contou à CNN um delegado, que preferiu não se identificar
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