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Mãe de santo levanta discussão sobre legalização de terreiros; PMVR minimiza polêmica

Por Vinícius de Oliveira

Em sábado de gira, os trabalhos no terreiro Caboclo Sete Flechas, no Santo Agostinho, administrado por Mãe Neide, começam às 22 horas. Pelo menos uma dezena de filhos e filhas de santo movimentam a pequena casa à beira da linha do trem. Com três cômodos, quintal desnivelado e, ao fundo, uma cafua, é nela que os convidados dançam para os orixás. A cantoria e o batuque avançam pela madrugada. Gargalhadas e o cheiro de fumaça recheiam a noite de mistérios, que, para muitos, representam a cura e a evolução. Por lá andam entidades que já morreram, figuras do além-mundo capazes de beber litros de cachaça e não titubear.
Mas tudo isso é clandestino, afinal, o terreiro não tem alvará de funcionamento. Sem o documento, Mãe Neide teme ser obrigada a fechar as portas e abandonar a prática religiosa que aprendeu há mais de 50 anos, sentada aos pés do pai, um escravo moderno em uma fazenda de arroz. “A prefeitura não está facilitando”, dispara.
Mãe Neide não é a única. Até onde o jornal pôde apurar, não ter alvará do terreiro é mais comum do que se possa imaginar entre os zeladores de santo. Simone Gaio, da Casa Boiadeiro Sete Porteiras, que fica no Aterrado, enfrenta o mesmo problema. Só que, por estar em área nobre da cidade, os fiscais da prefeitura de Volta Redonda, supostamente, estariam fiscalizando o terreiro, incansavelmente. De acordo com Simone, as ações teriam a ver com prováveis denúncias feitas por vizinhos.
Simone conta que os fiscais chegaram até a sugerir que ela e os seus santos fossem embora “para um local com natureza”, ignorando que Exus são entidades ligadas às encruzilhadas, elementos presentes na arquitetura urbana. “Demonstraram não entender nada da religião. A começar pelo modo com que fazem a ‘batida’. Já teve fiscal à paisana que chegou no terreiro, sentou-se e esperou a gira começar. Pensamos que era um consulente. Mas não era. Quando o ritual começou, ele se revelou. Queria que interrompêssemos, mas não paramos”, contou.
Ainda de acordo com Simone, o terreiro que administra, no Aterrado, é de baixo poder aquisitivo e pratica a caridade, oferecendo alimentação gratuita para pessoas carentes, mas nem assim teve ‘colher de chá’ dos fiscais da prefeitura. “Eu já estive até no Rio de Janeiro. Lá me dizem que preciso seguir na prefeitura de Volta Redonda. Mas quando procuro a prefeitura, me dizem que não é com eles. São despreparados para acolher pessoas de religião diferente da cristã”, pontua.
Diferentemente das igrejas católicas, que são isentas de alvarás, apenas os templos evangélicos e os terreiros precisam do documento para receber fiéis e celebrar seus rituais. Contudo, conforme explicou Eliege Domingos, conselheira da OAB-VR e presidente do Conselho Municipal de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial de Volta Redonda, os trâmites para a retirada do alvará representam um verdadeiro martírio para a maioria dos pais e mães de santos locais, pois os mecanismos utilizados pela Receita Federal estariam ‘viciados’ pela lógica cristã. “O pai de santo consegue o CNPJ e a partir daí precisa de um cadastro no portal da Receita. No atodo registro, o sistema entende que esse templo vai ser para um número maior que 200 pessoas. E essa não é a realidade da maioria dos terreiros de Volta Redonda. Muitos são nos quintais das próprias casas e atendem um número bem reduzido de pessoas”, completou Eliege.
O interessado no alvará precisa se submeter ao Corpo de Bombeiros, que, para conceder o ‘nada a opor’ exige uma estrutura bastante específica, como: saídas de emergência, janelas com tamanhos pré-definidos, placas sinalizadoras etc. E sem essa estrutura arquitetônica, o processo emperra ainda na esfera estadual. “Não temos condições financeiras para atender tudo isso”, reclama Simone.
O fundador da Casa de Terreiro Caboclo do Mar e Caboclo Arranca Toco nem quis falar sobre o assunto. Quimbandeiro dos bons, não deu entrevista quando foi questionado sobre seu alvará. Fechou- se em copas. Pode ter ido energizar os patuás e renovar as mandigas em torno do terreiro, pois sabe que, se a fiscalização bater, só mesmo o Tranca-Ruas para lhe valer.
Quem tem o poder de ajudar Simone e todos os outros pais e mães de santo que vivem na clandestinidade em Volta Redonda é um evangélico: Laydson Cruz. O bispo da Igreja Projeto Vida e ex-vereador, que atualmente tem feito missões no Rio Grande do Sul em nome de sua Igreja, ganhou em 2023 do prefeito Neto a responsabilidade de cuidar desses casos quando foi nomeado assessor especial. E ele garante que não precisa de um milagre ou de indulgências para sair o bendito alvará. “Atuamos como suporte técnico e orientação, mas os alvarás seguem sendo emitidos diretamente pela prefeitura nos trâmites antigos e normais. As regras são iguais para qualquer instituição religiosa, se precisar de um suporte ou atendimento para abertura de qualquer instituição, estou à disposição”, disparou.
Para o Pai Sidnei Soares, co-presidente da Mojubá, uma comissão de terreiros que acolhe mais de 50 instituições religiosas de matriz africana no Sul Fluminense, o pouco conhecimento jurídico de alguns pais e mães de santo, bem como a falta de empatia dos agentes públicos para com esse setor, são os principais responsáveis pelas dificuldades na hora da legalização. “Sabemos que temos deveres, mas infelizmente não somos nós que temos acesso ao esclarecimento de nossos direitos. É claro que um terreiro é reflexo do território onde está inserido, e isso também é refletido nas ferramentas públicas às quais os terreiros têm acesso. Muitos de nós pais e mães de Santo não temos intimidade com questões jurídicas, de ordem contábil ou burocrática. As questões ligadas a formalização de terreiros são complexas pois, além das dificuldades impostas pela legislação, temos que ter em mente os entraves ou questões de cada pai ou mãe. A Comissão orienta aos seus que procurem, por exemplo, o Núcleo de Práticas Jurídicas do UniFOA”, indicou.
“Em Volta Redonda, todos os vereadores se identificam com evangélicos e católicos e então a lei é para eles. Para conseguir alvará (para os terreiros, grifo nosso), está realmente quase impossível”, finaliza Eliege. Nota da redação: Procurada, a secretaria de Comunicação do Palácio 17 de Julho minimiza a polêmica e diz que os pedidos de alvarás são analisados caso a caso. “Existem templos e terreiros que não atendem as exigências”, acrescentou a pasta.

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