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Captação de órgãos em VR e BM entrou na mira do MP e da Polícia

Por Pollyanna Xavier

O caso do laboratório PCS Lab Saleme, envolvido no escândalo das infecções por HIV, pode ter reflexos na região. Pelo menos essa é uma das linhas de investigação do Ministério Público e da Polícia Civil. A desconfiança surgiu porque a RJ Transplantes – ligada ao Governo do Estado – mantém uma Organização de Procura de Órgãos (OPO) dentro da Santa Casa de Barra Mansa e é responsável pela captação de órgãos e tecidos nos 12 municípios do Médio Paraíba. De janeiro a setembro, diversos órgãos foram captados pela OPO e amostras de materiais biológicos chegaram a ser enviadas ao Lab Saleme para análise e sorologia. Agora, o Estado está rastreando estes resultados para saber se há casos de infecção no Sul Fluminense.
O procedimento não é exclusivo do Médio Paraíba. Em todo o estado do Rio, onde há unidades de procura e captação da RJ Transplantes, foi instaurada uma sindicância interna, com acompanhamento do MP, da Polícia Civil e do Cremerj para rastrear as amostras enviadas ao Lab Saleme. “Nem toda amostra dos órgãos que coletamos foi encaminhada para este laboratório. Algumas vão para o Lacen, e outras para o Lab (Saleme). Ele é o laboratório licitado, referência para as unidades de transplante no estado. Infelizmente aconteceu isso e posso garantir que é inédito, nunca tínhamos passado por isso antes”, informou uma fonte da OPO Barra Mansa, que pediu anonimato.
Segundo ela, desde que as irregularidades nos exames de órgãos vieram à tona, a OPO Barra Mansa vem enfrentando uma sindicância. O temor é que as pessoas deixem de ser doadoras ou percam a credibilidade no programa estadual de transplantes, prejudicando ainda mais quem aguarda na fila por um órgão. “Esta é uma questão sem precedentes.
Captação e transplante são procedimentos seguros, que salvam vida, infelizmente tivemos esta situação desagradável envolvendo o laboratório licitado”, lamentou. O Lab Saleme é um laboratório particular de análises clínicas com sede em Nova Iguaçu, que
venceu uma licitação da Fundação Saúde para fazer a sorologia de órgãos doados. O contrato foi assinado em dezembro de 2023 por R$ 11 milhões, mas o processo de licitação teve início bem antes, quando o deputado federal Doutor Luizinho era o secretário de Estado de Saúde. O parlamentar é primo de um dos sócios do Saleme – Matheus Sales Teixeira –, preso pela Polícia Civil. Além de Matheus, outras cinco pessoas ligadas ao laboratório também foram presas: o responsável técnico pela unidade, um biólogo, dois técnicos patologistas, uma auxiliar administrativa e ainda a coordenadora da unidade.
O aQui tentou falar com o Dr. Luizinho, mas ele avisou que não daria entrevistas. Sua assessora enviou ao jornal três notas oficiais emitidas pelo parlamentar desde que o escândalo estourou. À imprensa, Dr Luizinho chegou a dizer que não pode ser responsabilizado por algo cometido por um parente seu e que a assinatura do contrato com o laboratório não aconteceu durante a sua gestão na Saúde estadual.
Na primeira nota enviada ao aQui, o deputado classificou como “gravíssimo” o caso de transplantados contaminados com HIV e dizia ter esperança de que a questão fosse investigada de forma rápida com “punibilidade exemplar e rigorosa” para os culpados.
A segunda nota foi divulgada por Dr. Luizinho quando veio à tona o grau de parentesco dele com um dos sócios do Saleme. “Quando fui secretário de estado de Saúde, mantive a equipe do Programa Estadual de Transplantes da gestão anterior e jamais participei da escolha deste ou de qualquer laboratório. A contratação, ocorrida e dezembro de 2023, quando eu não era mais secretário, partiu de uma concorrência pública realizada pela Fundação Saúde, que tem gestão administrativa independente, na modalidade de pregão eletrônico, sujeita ao crivo dos órgãos de controle”, declarou.
Ainda na mesma nota, o deputado admitiu conhecer o laboratório há mais de 30 anos e que a unidade foi dirigida pelo médico Walter Vieira, casado com a irmã de sua mãe. Na terceira e última nota, Dr Luizinho reiterou a não participação na escolha do Laboratório Saleme ou de qualquer outro enquanto ocupou a cadeira de secretário de Estado de  Saúde do Rio e afirmou que as contratações “foram feitas pela Fundação Saúde, uma empresa pública, de direito privado, com autonomia administrativa e financeira e corpo jurídico próprio, independente da Secretaria(….) não tendo qualquer ingerência sobre essas contratações”, garantiu.
Em Volta Redonda e Barra Mansa, várias obras na área da Saúde são atribuídas ao Dr. Luizinho. Dentre elas, a gestão do Hospital Regional, a UPA do Ano Bom, o Centro de Tratamento de Oncologia da Santa Casa de Barra Mansa, além da captação de recursos para a reforma do Hospital São João Batista. Mas, desde que a polêmica ganhou os jornais, Dr Luizinho tem reunido esforços para evitar que o assunto termine em uma CPI. Aos jornais do Rio, o deputado teria dito que não há necessidade de uma comissão parlamentar para investigar o caso, uma vez que a Polícia e o Ministério Público já estariam fazendo isto. Essa semana, o governador Cláudio Castro saiu em defesa do seu ex-secretário de Saúde ao dizer que não acredita em uma possível influência do doutor Luizinho na licitação do  Saleme. “Ele não precisa disso”, resumiu Castro, que cobrou rigor nas sindicâncias instauradas para apurar o caso. Em relação à atual secretária, Cláudia Mello, o governador disse que não vê motivos para punir uma profissional de 23 anos de saúde pública, sendo 15 deles devotados à própria secretaria. “Não tem porquê”, disse. Cláudio Castro ainda realizou mudanças na Fundação Saúde, após a diretoria responsável pela licitação do Saleme ter pedido exoneração.

ENTENDA
Em setembro – mês que o SUS realiza a campanha nacional de conscientização para doação de órgãos e tecidos–, um paciente transplantado deu entrada em um hospital da capital com sintomas neurológicos. Submetidos a exames, ele foi diagnosticado com o
vírus HIV, condição não apresentada antes do transplante. Ao refazer um rastreamento clínico, foi constatado que ele recebeu um coração infectado.
Além dele, outros cinco pacientes transplantados também testaram positivo para HIV após receberem órgãos de dois doadores infectados. Um, inclusive, morreu dois meses depois do transplante, devido à fragilidade da sua condição de saúde. Todos os seis pacientes receberam órgãos, cuja sorologia foi analisada pelo Laboratório PCS Saleme, de Nova Iguaçu, que constatou estarem saudáveis. Um dos resultados teria sido assinado por uma auxiliar administrativa que não tem formação técnica ou acadêmica para atestar laudos. Ela foi presa. Além dela, a Polícia desconfia que o biólogo contratado para integrar a equipe técnica sequer ia ao laboratório, assinando documentos só quando era requisitado. Ele foi preso na quarta, 23, teve seu registro cancelado pelo Conselho Regional de Biologia do Estado do Rio e não é mais considerado profissional da área. Em inspeção técnica no local, a Vigilância Sanitária do Estado e a do município de Nova Iguaçu constataram 38 irregularidades no laboratório. Dentre elas, o fato de que o Saleme não possuía kits para realização de exames de sangue, o que levou a Polícia a suspeitar que os testes nos órgãos doados não foram feitos, e os resultados, falsamente positivos, forjados. A Coordenadoria Estadual de Transplantes e as vigilância sanitária estadual e municipal interditaram o laboratório. Desde então, a Secretaria de Estado de Saúde vem analisando todas as amostras dos órgãos doados, a fim de verificar a veracidade dos resultados apresentados pelos Saleme.
À imprensa, a atual secretária de estado de Saúde, Cláudia Mello, explicou que sempre que um órgão é captado – de qualquer lugar do estado do Rio – uma amostra é guardada para contraprova. E é justamente essa amostra que está sendo analisada. “Nós rastreamos os receptores dos órgãos analisados pelo PCS Lab Saleme e constatamos que apenas o paciente que recebeu a córnea do doador infectado com o HIV não foi contaminado. Isto aconteceu porque a córnea éum órgão pouco vascularizado”, explicou Cláudia Mello, acrescentando que a pessoa que recebeu o fígado morreu pouco depois do transplante, mas o quadro dela já era grave, o que afastou a relação do óbito com o HIV.
Ainda de acordo com a secretária, há 286 contraprovas guardadas que estão sendo analisadas, desta vez pelo Hemorio. Não se sabe quantas dessas amostras são de doadores alcançados pela OPO de Barra Mansa. E talvez este número nunca seja divulgado, justamente para garantir o anonimato do doador e a segurança no processo de captação de órgãos e tecidos realizado pela RJ Transplantes. “Mais de 16 mil vidas foram salvas pelo programa de transplantes de órgãos no estado do Rio desde que foi implantado. O erro do laboratório foi uma situação inédita, sem precedentes”, garantiu

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