O número exato de aposentados vítimas das fraudes por descontos ilegais em aposentadorias no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ainda é incerto. Os investigadores da Polícia Federal (PF) e agentes da Controladoria-Geral da União (CGU) fazem o levantamento junto aos dados já colhidos na investigação iniciada em 2023.
O que não é incerto, porém, é que aposentados e pensionistas no Brasil tiveram descontos ilegais de seus contracheques por meio de associações desde 2019, conforme mostram os relatórios das investigações.
Gilson Barbosa da Silva, 57 anos, foi um deles. À CNN, o aposentado relatou que “se sente mal” em saber que foi lesado.
“Acho que todos sentiram muito por ter ficado sabendo que foi lesado. Eu descobri quando eu peguei o extrato, aí eu descobri. Aí eu fiz a reclamação, pedi para o ressarcimento, mas ninguém fez nada, infelizmente. E fazer o que, né? Esperar e ver o que é que pode ser feito”, relatou à reportagem.
O aposentado descobriu o desconto em maio do ano passado, reclamou em junho e ainda houve desconto em julho e agosto, segundo seu histórico com desconto da Associação de Amparo Social ao Aposentado e Pensionista (AASAP).
Humberto Machado, 67 anos, explica que teve R$ 120 por mês da aposentadoria descontados por dois anos.
“O que eu senti foi indignação. É essa a palavra. Descobrir que estavam tirando dinheiro do meu benefício há mais de dois anos, sem minha autorização, me causou uma revolta profunda”, declarou à reportagem.
“A gente se dedica uma vida inteira ao trabalho, contribui com o INSS com a esperança de um descanso digno e, quando chega lá, é surpreendido por uma fraude”, prosseguiu.
O aposentado diz que descobriu a ilegalidade pouco antes da operação da Polícia Federal, quando tentou um empréstimo consignado.
“No extrato, vi um desconto de R$120 com um nome que nunca tinha visto. Fui investigar e descobri que era de uma associação da qual eu nunca ouvi falar, e com a qual jamais assinei qualquer contrato”, contou.
O idoso solicitou o estorno e foi informado que devolveriam os últimos três meses descontados. O restante, ele teria que buscar na Justiça. “Me senti lesado. Como pode o sistema permitir que algo assim aconteça? O sentimento é de abandono e de desconfiança no próprio sistema que deveria nos proteger.”
Em dezembro do ano passado, já com conhecimento das fraudes, a Associação Brasileira de Defesa dos Clientes e Consumidores de Operações Financeiras e Bancárias (Abradeb) processou o INSS devido aos descontos indevidos em aposentadorias praticados por associações sem fins lucrativos.
A Abradeb cobra R$ 112,3 bilhões ao INSS em danos materiais individuais, dano moral coletivo e dano social. De acordo com levantamento feito pela Abradeb, cerca de R$ 300 milhões estavam sendo desviados a cada mês de aposentadorias por meio de descontos ilegais.
O presidente da associação, Raimundo Nonato, disse à CNN que a descoberta teve início a partir de relatos de associados que os procuraram dizendo não saber a origem de determinados descontos em seus extratos do INSS.
“A partir disso, o setor jurídico passou a investigar o caso e identificou que se tratava de descontos supostamente associativos. Diante da gravidade do que se desenhava, aprofundamos as pesquisas e encontramos um acórdão do Tribunal de Contas da União que apontava para um cenário alarmante: número exorbitante de reclamações, crescimento explosivo de associados em um curtíssimo espaço de tempo, e repasses milionários às entidades conveniadas ao INSS, especialmente a partir de 2021”, detalhou.
A entidade, então, fez um levantamento dos Acordos de Cooperação Técnica em vigor e dos repasses financeiros realizados ao longo dos últimos 10 anos, cruzaram essas informações com dados públicos do portal da transparência, processos judiciais e relatos de pessoas que diziam jamais ter autorizado desconto algum.
A associação estima, nesse levantamento, que mais de 7,8 milhões de aposentados e pensionistas estavam sendo lesados por esse esquema, e que, nos últimos 10 anos, os valores desviados ultrapassaram a marca de R$ 10 bilhões.
Vítimas analfabetas e de zona rural
Segundo dados do inquérito da Polícia Federal, obtido pela CNN, os aposentados da zona rural correspondem a 67% das vítimas do esquema bilionário de fraudes do INSS.
“Tal distinção é relevante tendo em vista as diversas peculiaridades que envolvem os descontos associativos, desde a exigência de autorização para o desconto, passando pelo acesso a possíveis serviços a serem prestados, até dificuldade/facilidade para cancelar os descontos indevidos, dada a dificuldade de acesso à internet em comunidades rurais, bem como para deslocamento a uma agência do INSS e para acesso aos possíveis serviços eventualmente disponibilizados pelas entidades associativas”, diz o documento.
A investigação também aponta que pessoas completamente vulneráveis foram vítimas da fraude bilionária.
O relatório da PF detalha que moradores de zonas rurais com dificuldades para se deslocar até um posto da Previdência Social, pessoas com deficiência, doentes com impossibilidade de locomoção, indígenas e analfabetos foram lesados.