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Governo e empreiteiras vivem impasse em repactuação dos acordos de leniência

O governo e empresas como Novonor (ex-Odebrecht), Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa chegaram a um impasse em torno da repactuação dos acordos de leniência firmados em meio à Operação Lava Jato na década passada.

Hoje o clima dos dois lados é de baixíssima expectativa sobre um entendimento antes do dia 26 de junho. Esse prazo foi fixado pelo ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), para uma conciliação.

Para fechar os acordos, no passado, as empresas reconheceram irregularidades em troca de redução das punições. No entanto, elas ainda devem R$ 11,8 bilhões e estão inadimplentes com o governo, sob a justificativa de que tiveram queda do faturamento e precisam adequar os acordos à sua atual capacidade de pagamento.

Nos últimos dias, a CNN conversou com autoridades federais — da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Advocacia-Geral da União (AGU) — diretamente envolvidas nas tratativas e com advogados das companhias.

Pelo menos três pontos travam, neste momento, um avanço das repactuações.

  • Prejuízo fiscal: escopo de utilização dos créditos tributários obtidos pelas empresas que assinaram as leniências.
  • Ex-estatais: manutenção (ou não) de empresas privatizadas, principalmente a Eletrobras, como destinatária das reparações.
  • Propinas: se devoluções de recursos por delatores como Pedro Barusco e Paulo Roberto Costa, ex-funcionários da Petrobras, devem ser abatidas.

Sete empresas estão negociando com o governo: Novonor (ex-Odebrecht), Braskem, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Metha (ex-OAS), UTC e Nova (ex-Engevix).

Para elas, se houver um tratamento que consideram “justo” para todas essas questões, poderia haver abatimento próximo de 70% do valor ainda pendente nos acordos de leniência.

Prejuízo fiscal

No decorrer de um ano, as companhias pagam Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A legislação tributária prevê que, quando as despesas dedutíveis de uma empresa sujeita ao lucro real têm um valor superior ao das receitas tributáveis, elas podem usar esse crédito futuramente.

Diante da queda abrupta de faturamento, após a Lava Jato e em meio à crise econômica no país, as empreiteiras acumularam créditos enormes.

A Lei 14.375/2022, sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), estabeleceu uma mudança: o prejuízo fiscal pode ser usado como moeda para quitação de tributos federais inscritos em dívida ativa.

Em dezembro de 2022, ainda na gestão anterior, a BRF firmou acordo de leniência com a União que permite o uso de seus créditos. É esse precedente que, agora, a CGU aceitou ampliar para os demais acordos.

Na prática, isso resultará em uma redução dos valores devidos pelas empresas. Não se trata de um desconto, pois elas já têm direito de uso dos créditos em algum momento (quando tiverem lucro), mas o reconhecimento — com base na lei de 2022 e no precedente da BRF — de que os valores poderão ser usados como parte do pagamento de seus acordos de leniência.

A lei fala em uso dos prejuízos fiscais para abater “até” 70% das dívidas, mas a CGU descarta chegar a esse percentual. A Controladoria-Geral alega que boa parte — cerca de metade — dos valores previstos nos acordos de leniência têm como destino final a Petrobras, principal lesada com os desvios investigados na Lava Jato.

Para a CGU, o governo não pode determinar arbitrariamente o reconhecimento dos créditos para o abatimento de valores que em última instância não lhe pertencem, mas vão para a Petrobras.

As empresas contestam essa interpretação. Afirmam que os acordos foram assinados com a CGU, não com a Petrobras.

Lembram, inclusive, que continuaram sendo desabilitadas por anos de concorrências da estatal para a contratação de serviços — embora um dos objetivos das leniências fosse justamente escapar da decretação de inidoneidade e pagar valores bilionários em troca do direito de continuar participando de licitações públicas.

Ou seja: o argumento é de que o repasse dos valores à Petrobras é uma prerrogativa da União, a leniência foi feita com o governo federal, não pode haver limitação ao uso dos créditos com a justificativa dada pela CGU.

Ex-estatais

Parte das reparações previstas nos acordos de leniência estava relacionada a casos de corrupção envolvendo obras de antigas estatais.

No caso da Eletrobras, eram hidrelétricas como Belo Monte (PA), onde ela tinha participação minoritária. Outro projeto foi o gasoduto Urucu-Coari-Manaus (AM), da TAG, uma subsidiária da Petrobras.

Tanto a Eletrobras quanto a TAG foram privatizadas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

As empreiteiras alegam que a União não é uma “herdeira natural” dos processos relativos às ex-estatais e nem pode manter, muito menos repactuar, acordos que têm essas empresas como parte interessada.

Na prática, isso significaria abater das leniências os valores correspondentes a ressarcimentos nos casos envolvendo essas companhias. Eventualmente, na avaliação das empreiteiras, seria possível discutir esses pontos com os novos controladores da Eletrobras e da TAG — mas não com a União diretamente.

Elas argumentam que o Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, já fixou interpretação em vários processos de que não auditará mais contas relativas à Eletrobras — mesmo de períodos anteriores à privatização.

A CGU, no entanto, discorda completamente e descarta segregar os fatos relacionados à Eletrobras e à TAG.

Propinas

Delatores como Pedro Barusco, ex-gerente da área de serviços, e Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento, trabalhavam na Petrobras e devolveram aos cofres públicos dinheiro embolsado com o pagamento de propina pelas construtoras.

De acordo com as empresas, houve devolução de cerca de R$ 500 milhões de colaboradores como Barusco e Paulo Roberto.

Na avaliação das empreiteiras, junto com os acordos de leniência, tem havido duplo pagamento de reparações. Ou seja, a Petrobras receberia a reparação uma vez das pessoas físicas e outra vez das pessoas jurídicas, mas referentes ao mesmo ilícito.

A tese da “dupla contagem” de reparações não é aceita pela CGU. Uma das alegações da Controladoria é que seria inviável especificar de quais acordos (de quais empresas) poderia ocorrer um eventual abatimento dos valores devolvidos por Barusco e Paulo Roberto. O dinheiro voltou à Petrobras, mas seria deduzido da leniência de quais companhias?

STF

Liminares concedidas pelo ministro Dias Toffoli, do STF, suspenderam os acordos e os pagamentos da Novonor e da J&F.

Pouco depois, no âmbito da ADPF 1051 (que contesta os termos de todas as leniências), o ministro André Mendonça deu prazo de 60 dias para um entendimento entre as partes. A J&F está negociando à parte. As demais empresas entraram em discussões com a CGU e a AGU.

Mendonça é o relator da ação e o prazo venceu em 26 de abril. Houve avanços nas tratativas e ele prorrogou por 60 dias o tempo para uma conciliação.

Na extensão do período, entretanto, surgiram os impasses. A CGU, segundo relatos feitos à reportagem, não pedirá mais prorrogação e considera que as negociações chegaram perto do limite possível.

No fim de maio, Mendonça convocou autoridades e empresas para uma nova reunião, a fim de coletar relatos sobre os avanços.

Conforme relatos, o ministro do Supremo teria sinalizado respaldo à interpretação das empresas sobre o uso do prejuízo fiscal, mas dizendo que caberia ao governo calcular o valor do abatimento.

Na CGU e na AGU, ficou a percepção de que Mendonça estaria jogando no colo do governo o ônus político de assumir o abatimento.

Se não houver acordo até o dia 26 de junho, a definição caberá ao próprio ministro. Ele terá que levar ao plenário do STF, na condição de relator da ação, um encaminhamento sobre os acordos de leniência.

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