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Marco temporal: indígenas criticam formato de negociação no STF

Representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) criticaram o formato da comissão criada no Supremo Tribunal Federal (STF) para negociar uma conciliação sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Nesta segunda-feira (5), a Corte fez a primeira reunião sobre o tema.

Durante os debates, integrantes da Apib chegaram a sinalizar uma possível saída da mesa de negociação.

A entidade ainda vai consultar suas bases sobre as propostas de novas reuniões da comissão.

Ficou aprovado um calendário de encontros em 28 de agosto e 9 e 16 de setembro. A previsão inicial é de que os trabalhos durem até dezembro.

Um dos principais pedidos que a Apib fez na abertura dos trabalhos foi a suspensão provisória da lei que criou o marco temporal. A medida seria uma espécie de pré-requisito para participar da negociação sem que os efeitos da norma continuem em vigor.

A avaliação é de que a vigência do marco temporal estimula a violência no campo em disputas de terras com ruralistas.

O pedido de suspensão, contudo, foge do escopo da comissão de conciliação.

O colegiado não é capaz de fazer deliberações e só tem a possibilidade de servir de espaço de diálogo e formulação de propostas de acordo que precisam passar, depois, por aprovação pelo plenário do STF.

Outro possível entrave encarado pela entidade na negociação é a sua posição de que a inconstitucionalidade do marco temporal é inegociável, e que a decisão do STF que rejeitou a validade dessa tese deve ser preservada.

O debate na comissão do STF envolveu representantes dos povos indígenas, partidos políticos, Congresso, governo federal, estados, municípios e entidades sob a coordenação do gabinete do ministro Gilmar Mendes.

O alvo da discussão é a lei aprovada pelo Legislativo que cria o marco temporal e, na prática, restringe a possibilidade de demarcação de territórios dos povos originários.

A tese do marco temporal estabelece que os indígenas só têm direito às terras que estivessem ocupando ou disputando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Entenda

A lei que criou o marco temporal foi aprovada no mesmo dia em que o Supremo decidiu que essa tese é inconstitucional, em 27 de setembro de 2023.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez vetos ao projeto, mas eles foram derrubados pelo Legislativo em dezembro. A lei está em vigor desde então.

Partidos políticos acionaram o Supremo contra e a favor da lei. Ao enviar o caso para negociação, o ministro Gilmar Mendes não suspendeu seus efeitos. Ou seja, o marco temporal para demarcação está em vigor enquanto os trabalhos da comissão se desenrolam.

Posições

No começo dos debates, o coordenador jurídico da Apib, Maurício Terena, pediu que a lei fosse suspensa durante os trabalhos da comissão. Ele também disse que devem ser preservados os efeitos da decisão do STF que declarou inconstitucional o marco temporal.

Segundo ele, a lei “viola direitos constitucionais territoriais dos povos indígenas e sua vigência tem contribuído para um cenário de incremento da violência” contra essa população.

A advogada Eloisa Machado, que atua pela Apib, ressaltou a necessidade de suspensão da lei para que se “garanta a igualdade das partes nas deliberações” da comissão.
“Um dos lados está sob constante ameaça de morte”, afirmou.

A abertura da negociação se dá em meio a um aumento de tensão na disputa por terra entre indígenas e ruralistas no Mato Grosso do Sul.

Neste fim de semana, indígenas foram atacados em Douradina (MS). Há registros de pelo menos dez feridos por armas de fogo e de borracha.

Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Apib, dos dez feridos, dois indígenas estão em estado grave: um com um tiro na cabeça e outro com um tiro no pescoço.

O governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), participou da comissão representado os governadores do país.

Ele não comentou sobre o ataque aos indígenas, mas disse que terá uma reunião com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, na terça-feira (6).

Segundo Riedel, a diretriz central dos governadores na comissão é “buscar uma pacificação” e a “segurança jurídica”.

“A partir dessa reunião até dezembro, que pode ser gerada num instrumento inovador, um instrumento que seja consenso entre todos da mesa”, afimrou.

A senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura do governo de Jair Bolsonaro (PL), foi na mesma linha. Ela disse que é possível “caminhar” se todos os integrantes da comissão “vierem despidos de preconceitos”.

“Temos coisas graves acontecendo, né? Como invasões e nós precisamos caminhar e olhar para frente e achar a melhor decisão”, declarou.

A subprocuradora-geral da República Eliana Torelly disse que vê margem para negociação, desde que sejam respeitados os direitos territoriais dos povos indígenas.

“Grande parte da violência que tem ocorrido contra os povos indígenas ocorre da omissão do Estado brasileiro na demarcação dos territórios indígenas”, afirmou.

Ela também manifestou preocupação com o aumento da violência contra os povos originários em Mato Grosso do Sul.

Segundo Torelly, que é coordenadora da Câmara do Ministério Público Federal destinada a populações indígenas e comunidades tradicionais, a situação é de “aumento exponencial da violência”.

Por que o tema voltou à discussão?

Mesmo o STF já tendo decidido que a tese é inconstitucional, o tema voltou à Corte porque partidos e entidades apresentaram quatro ações sobre a nova lei.
PP, PL e Republicanos acionaram o STF pedindo aos ministros que confirmem a constitucionalidade da norma.

Por sua vez, o PDT, a federação PT-PCdoB-PV e a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolaram ações buscando a derrubada de trechos da lei – entre eles, o que criou o marco temporal.

Há ainda uma quinta ação, em que o PP pede ao STF que reconheça omissão do Congresso em regulamentar um dispositivo da Constituição que abre margem para a exploração das “riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos” em terras indígenas desde que haja “relevante interesse público da União”.

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