Por Vinícius de Oliveira
Para as mulheres, usar aplicativos de transporte pode ser tão perigoso quanto andar sozinha à noite. O episódio grotesco de domingo, 30, envolvendo um motorista da 99 que arrancou uma passageira do interior do carro que dirigia é a prova disso. Enquanto as famílias ainda celebravam a Páscoa, o motorista, identificado apenas como Douglas, agrediu Taiene Priscila de Oliveira Paula, de 37 anos, e sua filha, de 5. O caso se desenrolou na Rua 2, no Conforto. Após puxar as vítimas do banco de trás do veículo, um Voyage prata, e jogá- las no meio da rua, o agressor fugiu do local.
Sem saber que tudo tinha sido registrado por uma câmera de segurança, Douglas tentou minimizar sua responsabilidade. Isso fica claro através de um áudio, disponibilizado pela polícia, em que ele tenta culpar Taiene. “Ela só filmou o trechinho que estou indo embora. Falou aquela merda para aparecer. Aí vou embora. Para que vou ficar lá batendo papo com pé de rato? Não vou, cara. A pessoa só quer confusão, treta e encheção de saco. Depois de uma corrida ruim, pode aparecer uma boa. Se eu tivesse bola de cristal, não tinha levado essa gente. Nem tinha cara de que iriam me arrumar encheção de saco, que ia meter o louco. Nem tinha esse perfil. Eram duas mulé (sic)”, disse no vídeo.
Taiene contesta. Em entrevistas nas redes sociais, revela que na primeira noite após o ocorrido, sua filha de apenas 5 anos, teve reações pelo corpo e ainda não consegue dormir com tranquilidade. “A gente ainda tá se recuperando. Foi um momento de crueldade. A minha filha teve até febre. Tem sido difícil pra dormir. Ela acorda chorando e agitada”, desabafou no programa ‘Encontro’, da rede Globo, afirmando que espera por justiça. O engraçado, se não fosse trágico, é que Douglas também espera apoio da Justiça. É que, depois da repercussão do caso, ele recorreu à Polícia (na quarta, 3) pedindo proteção, alegando que temia ser linchado.
O advogado de Taiene confirma. “Tomamos conhecimento de que ele foi intimado a prestar depoimento, inclusive antes da liberação das imagens. Ele negou a prática do ato violento, apesar de se verificar no vídeo. Mas, diante do clamor social, ele informou que se sente ameaçado e requereu medidas urgentes para resguardar sua integridade física, uma vez que ele está com medo de sofrer retaliação por populares que ficaram sabendo da situação”, justificou o advogado Thiago da Silva Inácio.
Douglas já é conhecido da Polícia de Volta Redonda. Ele teria passagem por violência doméstica e teria agredido outro passageiro. E ficou sem o veículo que usava nas suas corridas pela 99. É que, segundo a Secretaria de Ordem Pública, o Voyage prata usado por ele teria 18 multas, sendo que 17 delas estariam vencidas, totalizando mais de R$ 4,3 mil em infrações. A maioria das multas por estacionamento irregular (4), seguida por transitar em velocidade superior à máxima permitida (3) e avançar sinal vermelho (3). A Guarda Municipal, quando foi fazer a apreensão, encontrou o veículo estacionado de forma irregular sobre a calçada. Acabou removido e encaminhado ao Depósito Público Municipal.
De acordo com Thiago, advogado de Taiene, o incidente é extremamente grave, e o motorista será processado por agressão com agravante por ter envolvido uma mulher e uma criança. “Nossa cliente foi vítima de uma ação violenta e traumática, e estamos comprometidos em garantir que ela receba todo o apoio necessário durante este processo. O Código Penal Brasileiro prevê punições para crimes de lesão corporal, especialmente quando há agravantes como o cometimento contra mulheres e crianças. O artigo 129 estipula que a pena para esse tipo de crime pode ser aumentada em casos de agres- são contra vulneráveis, como mulheres e crianças”, explicou.
A delegada da Deam, Juliana Montes, chegou a se emocionar ao gravar um vídeo relatando o caso. “O motorista já foi identificado e ouvido. Possui anotações por violência doméstica e agressão a outro motorista de aplicativo. Testemunhas foram ouvidas, e o caso, enviado ao Ministério Público”, resumiu, com voz embargada.
Em resposta ao incidente, a 99, empresa de aplicativo de transporte, bloqueou o motorista e afirmou estar colaborando com as investigações da Polícia Civil. No entanto, o ocorrido ressalta a necessidade de medidas mais amplas para garantir a segurança das passageiras, que cada vez mais evitam o uso de aplicativos por medo de agressões. Não à toa, mulheres como Sidneia, uma motorista particular que atua há cerca de um ano em Volta Redonda, estão se tornando uma opção às passageiras.
Sidneia conta que suas principais clientes são mulheres, muitas das quais expressam alívio ao perceber que estão sendo conduzidas por uma motorista mulher, destacando o temor constante de agressões por parte de motoristas do sexo masculino. “As mulheres estão cada vez mais amedrontadas de usar o aplicativo. Quando me veem, dão graças a Deus. E elas me contam coisas absurdas que vivenciam nos carros com motoristas homens. São tipos de assédios que a gente nem gosta de imaginar”, afirmou.
Segundo dona Nalu, outra motorista de aplicativos, que roda em Barra Mansa, o medo também é reverso. Ou seja, as condutoras mulheres também ficam apreensivas ao transportar homens. “Não sabemos como eles chegarão no veículo. Muitos acham que mulheres não sabem dirigir ou que podem dizer o que bem entendem. Se resolverem não pagar? Se resolverem nos agarrar em algum lugar? À noite então, o temor é ainda maior. Prefiro nem rodar depois das 18 horas pelo aplicativo. Só corridas particulares”, disse.
Mas não é fácil encontrar motoristas mulheres neste mercado. Segundo uma análise da FGV, até 2020, apenas 6% dos 600 mil motoristas de aplicativos são mulheres. “Ainda que todos esses fatores tenham contribuído para um aumento da presença feminina no setor, a atuação ainda é tímida, dada a existência de estereótipos femininos ligados ao exercício da profissão de motorista e ao próprio ato de dirigir, mas principalmente por questões de segurança. Nesse sentido, o medo de assédio e de violência física e psicológica resulta na preferência das motoristas pelo atendimento de mulheres passageiras, bem como pela escolha de atuação durante o dia e em bairros considerados menos perigosos”, diz o estudo.