O presidente Donald Trump e seus assessores disseram que esse sempre foi o plano: assustar o mundo inteiro ao anunciar tarifas astronômicas, fazer com que os países se sentem à mesa de negociações e — com exceção da China — recuar das barreiras comerciais mais severas enquanto os EUA firmam novos acordos comerciais ao redor do mundo.
Mas a pausa de 90 dias anunciada por Trump sobre suas tarifas “recíprocas” — que na verdade nunca foram recíprocas — dá ao seu governo apenas três meses para concluir acordos comerciais extremamente complexos com dezenas de países que, segundo a administração, estariam interessados em negociar.
Os mercados financeiros não estão comprando essa ideia. As ações oscilaram com grande volatilidade. E outros mercados, como o de petróleo, títulos e o dólar, estão enviando um recado claro de profundo ceticismo quanto à capacidade de Trump concretizar esse plano.
Ações
Após mais uma forte queda na última quinta-feira (10), o mercado de ações parecia mais calmo — por ora — e registrou fortes ganhos nesta sexta-feira (11).
O Dow Jones encerrou o dia com alta de 619 pontos, ou 1,56%. O S&P 500 subiu 1,81% e o Nasdaq teve alta de 2,06%. Os mercados foram impulsionados pelas declarações da presidente do Federal Reserve de Boston, Susan Collins, ao Financial Times, afirmando que o banco central interviria para apoiar os mercados financeiros caso surgissem sinais de estresse.
Mas os investidores do mercado acionário têm operado em um cenário altamente instável, e qualquer anúncio do governo Trump sobre tarifas tem potencial para fazer as ações dispararem ou despencarem. Por exemplo, as ações caíram na quinta-feira depois que o governo Trump esclareceu a matemática usada para definir a enorme tarifa de 145% sobre produtos chineses. O mercado acreditava que a tarifa era de 125%. O Dow despencou, chegando a cair mais de 2.000 pontos em determinado momento.
Nos 129 anos de história do índice Dow Jones Industrial Average, ele fechou com variações de pelo menos 1.000 pontos para cima ou para baixo apenas 31 vezes. Quatro dessas vezes aconteceram na última semana.
O S&P 500 caiu pouco mais de 9% na primeira semana de abril, sua maior queda semanal desde março de 2020. Nesta semana, o índice subiu 5,7%, seu maior ganho semanal desde 2023.
Apesar do ganho histórico de quarta-feira após o anúncio de distensão por parte de Trump, as ações continuam bem abaixo dos níveis anteriores à apresentação de seu plano tarifário do “Dia da Libertação”, em 2 de abril.
Títulos
O mercado de títulos está se comportando de maneira estranha.
Normalmente, espera-se que os preços dos títulos subam em períodos de turbulência. Os títulos do Tesouro dos EUA são historicamente considerados os ativos mais seguros, respaldados pela fé e crédito do governo americano.
Mas os títulos não estão subindo — estão caindo.
Isso ocorre principalmente porque os investidores perderam a confiança na política comercial dos EUA e temem que os próprios americanos possam sair ainda mais prejudicados do que os países que são alvo da política tarifária de Trump. Como disse o CEO do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, em sua carta anual aos acionistas na segunda-feira (7), a política “América Primeiro” de Trump corre o risco de alienar os parceiros mais importantes dos EUA e prejudicar a posição especial do país no mundo.
Os rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA — que se movem na direção oposta dos preços — chegaram a ultrapassar 4,5% na sexta-feira. No início da semana, estavam abaixo de 4%. Isso representa um movimento gigantesco para o mercado. Rendimentos mais altos podem prejudicar a economia americana, já que muitos empréstimos ao consumidor estão atrelados a essas taxas.
“O aumento das taxas tem sido rápido em termos históricos e não oferece conforto aos investidores que buscam refúgios em mercados turbulentos”, disseram analistas do Citi em relatório na sexta-feira.
Segundo o índice de retorno total da Bloomberg, os títulos do Tesouro dos EUA estavam a caminho de ter a pior semana desde 2019, quando o Federal Reserve de Nova York precisou intervir e comprar títulos para conter um aumento abrupto dos rendimentos causado por falta de liquidez.
“Nas condições atuais do mercado, não há necessidade de intervenção do Fed neste momento, mas os dirigentes provavelmente estão monitorando atentamente o funcionamento do mercado”, disse Chip Hughey, diretor-gerente de renda fixa da Truist Advisory Services.
Dimon disse na sexta-feira, em teleconferência de resultados, que espera um “reboliço” no mercado de títulos que forçaria uma intervenção do Fed.
“Eles não vão fazer isso agora… só quando começarem a entrar em pânico”, afirmou Dimon.
Petróleo
O mercado de petróleo está operando como se estivéssemos entrando em uma recessão.
Os preços despencaram nas últimas semanas à medida que os investidores temem que a política comercial de Trump possa enfraquecer a demanda por viagens, transporte marítimo e terrestre — todos grandes consumidores de combustível.
Na manhã de sexta-feira, o petróleo dos EUA caiu abaixo de US$ 60 o barril, próximo da mínima de quatro anos, antes de recuperar parte das perdas. O Brent, referência global, rondava os US$ 63 o barril — menor valor desde abril de 2021 — antes de também registrar leve alta.
O petróleo subiu na sexta-feira após o secretário de Energia dos EUA, Chris Wright, dizer a repórteres que o país poderia interromper as exportações de petróleo do Irã como parte das negociações de Trump sobre o programa nuclear do país, segundo a Reuters. O petróleo dos EUA fechou em alta de 2,4%, a US$ 61,50 o barril. O Brent subiu 2,26%, a US$ 64,76 o barril.
Ainda assim, persistem preocupações sobre o impacto das tarifas no crescimento econômico e como uma possível desaceleração poderia reduzir a demanda por petróleo.
Os preços do petróleo têm servido como importante indicador de recessão nos últimos anos. Eles caíram fortemente após ultrapassar US$ 100 o barril pela primeira vez durante a Grande Recessão de 2008. E chegaram a ficar negativos pela primeira vez na pandemia, quando o excesso de oferta foi tão grande que os traders literalmente pagavam para que os estoques indesejados fossem retirados de seus depósitos.
Dólar
Na sexta-feira, o dólar caiu para seu nível mais baixo em três anos. Isso é o oposto do que normalmente se espera quando tarifas são impostas.
Em geral, as tarifas valorizam a moeda local, pois incentivam o consumo de produtos nacionais em vez de estrangeiros, fazendo com que o dinheiro renda mais em comparação com outras moedas.
Mas os operadores de câmbio estão vendendo dólares porque acreditam que os EUA vão sofrer mais com a guerra comercial de Trump e sairão enfraquecidos após a imposição das tarifas.
Na sexta-feira, o dólar atingiu seu menor nível frente ao euro desde 2022. O índice do dólar — que mede o desempenho da moeda frente a uma cesta de outras moedas — caiu 0,9% na sexta-feira, após despencar 2% na quinta, sua pior queda diária desde 2022. São movimentos enormes no mundo das negociações cambiais.
“Investidores e bancos centrais estão vendendo títulos do Tesouro e dólares devido à perda de confiança e credibilidade nos ativos americanos”, disse Joe Brusuelas, economista-chefe da RSM. “O caos financeiro tem seu preço.”
Enquanto isso, o ouro disparou e superou o recorde de US$ 3.200 por onça troy na sexta-feira. O metal já subiu mais de 23% neste ano e registrou seu melhor trimestre desde 1986. O ouro é considerado um porto seguro em tempos de incerteza econômica e política.
Acordos comerciais
Apesar de os mercados financeiros demonstrarem grande ceticismo quanto à capacidade do governo Trump de aproveitar a oportunidade que criou para fechar acordos bilaterais com os 150 países do mundo, a administração continua otimista.
O secretário do Tesouro, Scott Bessent, disse nesta semana que mais de 70 países solicitaram reuniões com representantes dos EUA para fechar acordos que os livrem das tarifas punitivas de Trump. Embora o governo tenha dado poucos detalhes sobre com quais países está negociando, afirmou que dará preferência a aliados como Coreia do Sul e Japão.
Mas acordos comerciais são arranjos incrivelmente complexos, normalmente negociados ao longo de anos, e não de meses. E mesmo que Trump conseguisse negociar com todos esses países em curto prazo — seja com acordos completos ou cartas de intenção que estabeleçam uma estrutura — a China, maior exportadora do mundo, continua sendo o elefante na sala.
As tarifas dos EUA sobre produtos chineses agora chegam a pelo menos 145%, e a China respondeu na sexta-feira com tarifas de 125%. Isso causará enorme prejuízo às duas maiores economias do planeta, e ambos os lados disseram não estar dispostos a recuar.
A China afirma consistentemente estar aberta a negociações, mas quer que elas ocorram de forma respeitosa. Segundo uma fonte familiarizada com as conversas, a China ignorou os alertas dos EUA para que não aumentasse suas tarifas.
Enquanto isso, os economistas permanecem indiferentes à mudança repentina de tom de Trump. Embora acordos comerciais negociados sejam, sem dúvida, uma boa notícia para a economia, grande parte dos danos já foi feita, segundo economistas de Wall Street. E tarifas universais de 10% continuam em vigor, assim como tarifas de 25% sobre automóveis, algumas mercadorias do México e Canadá, e sobre aço e alumínio.
É por isso que JPMorgan e Goldman Sachs dizem que as chances de os EUA e a economia global entrarem em recessão neste ano são praticamente de 50%.
Matt Egan e Kyle Atwood, da CNN, contribuíram com esta reportagem.
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